quarta-feira, 14 de novembro de 2012

[Entrevista] Prof. Dr. Gerardo Alberto Silva

Entrevista com o professor Dr. Gerardo Alberto Silva, vindo da Argentina para o Brasil com o propósito de fazer mestrado na área de planejamento urbano. O seu primeiro contato com o Brasil foi na cidade de Rio de Janeiro. Após passar no concurso à docência na UFABC, Gerardo veio para a região do ABC na grande São Paulo.


Entrevista

"Eu era professor na Argentina e tinha a expectativa de fazer mestrado no Brasil (...) eu tinha descoberto que tinha um mestrado que eu achava bom em planejamento urbano metropolitano no âmbito regional no Rio de Janeiro (...) eu vim basicamente por isso. (...) Nunca tinha vindo pro Brasil, como eu tinha descoberto essa oportunidade eu comecei a fazer um curso de português, e organizei minha lua de mel pra ir vendo essa possibilidade, já pensando que isso seria um primeiro contato com o Brasil (...) aproveitei para conhecer o instituto e as pessoas. Eu vim para fazer mestrado, e a ideia era voltar (para a Argentina), e em outra oportunidade sair para fazer o doutorado, mas emendei e fiz mestrado e doutorado, então fiquei mais tempo do que tinha previsto (...) Principalmente fiquei por causa das oportunidades profissionais e do trabalho."

"A Argentina estava num momento extremamente complicado com o neoliberalismo, e na verdade eu não estava muito afim de voltar não. Fiquei durante quase 10 anos trabalhando como pesquisador e como consultor dentro da UFRJ até que decidi fazer concurso (...) Eu fiz dois concursos, um na UFRJ e um aqui na UFABC. Passei nos dois, portanto, eu teria que decidir 'fico no Rio ou vou para o ABC?' e optei pelo ABC pelas mesmas razões pelas quais eu vim para o Brasil: pela minha carreira."

"Há uma diferença cultural entre a Argentina e o Brasil bem grande que não se percebe claramente, sobretudo do Rio de Janeiro para cima, e culturalmente seria mais próximo da Argentina de São Paulo para baixo (...) Isso me chamou a atenção, uma diferença cultural maior da que eu esperava. (No Rio) eu tive um estranhamento na maneira das pessoas se relacionarem, na maneira de conversarem sobre determinadas questões e na maneira das pessoas verem o mundo. Aqui em São Paulo, por enquanto, minha vida está dentro do que eu esperava (...) eu tenho a impressão que há diferenças importantes na maneira das pessoas se socializarem; digamos que no Rio é mais pra fora e aqui os grupos são mais fechados. Uma coisa que era surpreendente lá (no Rio) era o fato que você sai as dez da noite com um grupo de amigos e pode acabar em um outro lugar com um grupo de pessoas que você nem conhece e está tudo bem. Isso na Argentina é inimaginável."

"No Rio eu tenho uma relação ambivalente, eu gosto porque é a cidade onde eu nasci no Brasil. Por outro lado, embora seja uma generalização, acho que há um certo comodismo por parte do carioca (...) há uma certa indiferença quanto a problemas que são sérios. O Rio parece uma metrópole, mas eu acho que ele não comporta uma metrópole porque você tem uma vida muito centrada na zona sul (...) e você não consegue enxergar o resto da cidade, então você tem uma vida a qual você está num espaço bem limitado de circulação e aos poucos você começa a encontrar sempre as mesmas pessoas, o que é típico de uma cidade pequena. São Paulo tem uma dimensão metropolitana (...) você tem diferentes lugares, a cidade é bem fragmentada. Isso também é um atrativo pra mim, como eu trabalho com essa questão (...) pra mim esta cidade é um laboratório mais poderoso que o Rio. Quando eu não tenho reuniões eu venho uma vez por semana para São Paulo, passo três dias aqui e volto. Se eu preciso ficar por conta de compromissos eu fico de uma semana pra outra. (...) Normalmente venho de ônibus (...) são 6 horas que eu consigo trabalhar no ônibus, consigo ler e corrigir provas, e quando você está em uma sala na sua casa a toda hora você tem uma coisa pra fazer (...) essas seis horas são extremamente produtivas. Na volta, quando possível, volto de avião. "

"Eu poderia repetir o jargão de todo mundo, falar do trânsito e poluição. Mas pra mim isso ainda não é um peso, eu moro num apartamento próximo à faculdade. (...) Pela forma que estou aqui acabo não interagindo com os problemas da cidade. Algumas coisas me assustam (...) no Rio o problema da violência as vezes é mal interpretado, ele é muito concentrado em determinados lugares, em São Paulo pela própria grandeza da cidade este problema é um pouco mais difuso. (...) Não tem um pedaço da cidade, o problema se espalha. Outro problema; no Rio estou acostumado com o Táxi, lá você bota um pé na rua e já tem um táxi. (...) Aqui as pessoas estão acostumadas a chamar o táxi. Tem algumas coisas que eu gosto, por exemplo em termos de comida. Os bares e restaurantes de São Paulo são bem mais diversos e bem cuidados dos que os do Rio. (...) Existe uma variedade enorme de possibilidades, você pode escolher um território da cidade. Tem também boas livrarias, a livraria Cultura pra mim é uma referência. (...) Eu acho que São Paulo tem tudo e eu desfruto muito pouco do que poderia. (...) Nunca senti dificuldade de mobilidade aqui, moro perto da estação de trêm e com a integração com o metrô, eu nunca me senti isolado na cidade.

"A minha relação com meu pais de origem é complicada. Eu cheguei a universidade em 82, no fim da ditadura militar (...) e acho que em 84 foi publicado um livro chamado 'Nunca Más' pela chamada Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, e aí constatava a desaparição de quase 9 mil pessoas. (...) E ai o que acontecia era que você tinha uma ditadura militar, e muita gente que concordava com a suposta organização governamental (...) mesmo com pessoas falando dentro e fora da Argentina sobre a existência de mecanismos de desaparição, tortura, e morte, as pessoas faziam vista grossa. Era difícil conviver com isso (...) então chega um momento em que mesmo no âmbito dos próprios afetos isso volta, e volta de uma maneira muito ruim. Então talvez sair um pouco (do país) ajude você a relevar algumas coisas, e não estar tão próximo a essa experiência."

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